segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Por Causa do Olho na TV, Ouvido no Rádio

Deu, chega.
O futebol brasileiro tá cada vez mais cheio de absurdos. Os horários das partidas são só um deles. Por exemplo, mesmo que com reservas, grenal às 19h30, é só pra tevê mostrar que ela é mesmo a dona da bola, do campinho e do apito.

Vem cá, isso até desagrega a família brasileira. Atrasa a pizza, atrapalha o domingão, elimina o cafezão no fim do dia, afasta o namoradão do inevitável encontro com o sogrão no final da tarde de domingo. Danem-se os rituais.

Mas o problema pra mim, uma das vítimas do payperview, que assisto muitos jogos em bar, é que tem um sujeito que não abre mão de pelo menos um ritual brasileiro. É o Doutor Olho-naTV-Ouvido-no-Rádio. Que, em tempos de tevê digital, tornou-se o Doutor Ouvido no Rádio, Olho na tevê.

Não, Suposto Leitor, não deu pau no meu processador de textos.

Deu pau é na lógica do torcedor de futebol.

Esse sujeito que cresceu assistindo ao jogo na tevê e escutando a narração do rádio, tentando talvez emular a sensação de estar no estádio, esse queridão ou não se deu conta de que as coisas mudaram - o que é impossível -, ou tem uma carteirinha de chato, ou (medo) encontrou sua forma de exercer poder. Sua chance de ser o dono do campinho.

Quer entender?

Imagino que algumas pessoas aqui, Suposto, não vivam o mundo do futebol com a mesma intensidade que eu. Então explico: há uns 20 anos, não era assim pra passar o jogo do teu time na televisão. Final de campeonato e olhe lá. No tempo em que não existia tevê a cabo, era hábito acompanhar o futebol pelo rádio, imaginando os lances narrados. Daí, quando teu time era eleito pra uma transmissão, talvez pelo costume de ouvir o narrador X, ou pelo hábito da velocidade da narração do rádio, ou por preguiça de pensar e querer que o comentarista do rádio te diga o que achar do jogo, muita gente ligava a tevê, mas tirava o volume, e ficava ouvindo no rádio. Era o famoso Olho na TV, ouvido no Radinho. Muita gente cresceu assim, ou vendo o pai fazer isso.

Só que surgiu a teve a cabo, depois a digital e esses avanços tecnológicos, acredite Suposto, não são tão avançados assim. O sinal deles chega uns dois segundos depois do sinal da teve aberta. Sério, tu, com aquela anteninha externa comemora, o gol antes do assinante da tevê digital. Mas o pior é o que o sinal do rádio chega muito, muito, muito antes do da tv digital.

Mais ou menos assim: no televisor vai bater o escanteio; no rádio o juiz já anulou o gol.

E, apesar disso, dessa total falta de sincronia entre as velhas e novas tecnologias de acompanhamento futebolístico, tem gente que continua inda a bares que transmitem futebol em sinal digital, com o seu rico radinho de pilha. Não entendo o sentido disso, se querem brincar de prever o futuro, ou se tem o cérebro tão lento que só processam o que ouviram quando vem quatro, cinco segundos depois acontecendo na TV.

Não sei.

Mas tudo bem se fizessem isso em casa.

Ou em público, no boteco, mas em silêncio.

Mas não. Não mesmo.

E aí o porquê de só uma grave deficiência mental proteger esses sujeitos com seus radinhos grudados aos ouvidos do rótulo de presidentes da Sociedade Mundial dos Malas. Os o Doutores Olho na TV Ouvido no Rádio não se contentam em escutar que foi gol antes de ver no monitor que ele aconteceu. Eles têm comemorar, gritar, só falta dizerem Eu vi primeiro e bater no peito.

E daí? Qual a vantagem de comemorar o gol sozinho, campeão? Vai ser torcedor do Íbis, então.

Que é uma ejaculação precoce quando isso acontece. O time lá nas preliminares, Rochemback pra Adilson, Adilson pra Gabriel, Gabriel recua pra zaga, o time toca a bola, GOOOOL, vibra o apressadinho. Ah, vai ser gol, pensamos nós, que só assistimos ao jogo. E até comemoramos quando ele acontece. Como quem vê uma reprise.

Mas o pior não é isso.

Essas Mães Dinah de mesa de bar, a partir do primeiro gol da partida, conseguem tirar toda a magia do jogo de futebol. O Sobrenatural de Almeida sai de campo nessa hora e leva os mistérios e as surpresas embora do estádio.

Explico: depois que o amigão gritou gol pela primeira vez com a bola no meio-de-campo, eu já sei que ele vai saber antes de mim, bem antes de mim se sair outro gol. Ou um pênalti. E ele vai gritar EU VI PRIMEIRO só pra demarcar seu território. Então, mesmo sem querer, acontece o seguinte: por exemplo, contra-ataque do teu time, a bola nos pés do atacante que nunca errou, por algum motivo terroristas chechenos seqüestraram o goleiro adversário, não tem ninguém debaixo das traves, o atacante avança sozinho, em direção à aera a ao gol vazios, mas Suposto, daí a gente repara que o Doutor Olho no TV Ouvido no Rádio ainda não vibrou com o gol. Bueno a única emoção que nos resta é tentar adivinhar de que jeito o gol será perdido. Isso se o nosso vidente (ou ouvinte) não gritar: não acredito que um ninja entrou em campo e defendeu!

E pior é que se o sujeito ainda faz isso é porque isso um costume mais ancestral do que palitar os dentes. Me resta pensar em soluções. Por enquanto tô entre assistir o jogo com algodão nos ouvidos ou contratar uns pagodeiros pra batucarem mais alto que o adivinhão. Alguma sugestão, Suposto.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Por Causa de 1 Drama

Não sou um grande leitor de poesia. Ou melhor, nem um suposto leitor de poesia eu acho que sou. Mas às vezes me caem na mão algumas coisas que, acho, são capazes de tocar até os mais despoetizados.

Isso serve pra falar do Contém 1 drama, publicado pela Não Editora. É um livretinho que já te pega pelos olhos, coisa bonita, coisa delicada, coisa que dá vontade de ler.

Mas é mais do que isso.

Contém 1 drama, na verdade, contém bonitas fotos tiradas pela Carol Bensimon e, acima de tudo, 2 poemas do Diego Grando.

Os poemas do Diego Grando.

O Diego já tinha lançado pela Não o conjunto de poemas Desencantado carrossel. Um livro do qual eu gosto muito, por causa do lirismo, da singeleza, da cotidianeidade, da ironia que o Diego colocou pra girar dentro de um trabalho bem cuidado da forma. Gostei do carrossel do Diego.

Mas aí o sujeito foi passar um tempo em Paris, fazer doutorado e voltou há pouquinho. O passaporte dele são os 2 poemas 25 Rua do Templo e Palavra Paris.

Caramba.

O Diego cresceu.

E não só na extensão dos textos. Cresceu demais o poeta, que já era bom poeta.

Olha, diz que a literatura é feita de solidão. A solidão do escritor, na hora de compor os textos. A solidão do leitor, no momento da leitura. Mas poucas vezes eu tinha sentido tanta solidão em uma experiência literária como experimentei ao ler 25 Rua do Templo e Palavra Paris.

Se não chegam a ser canções, são, no mínimo, pequenos refrões do autoexílio que o Diego viveu nesses últimos anos junto com a Carol na França. Refrões que ficam repetindo na nossa cabeça a sensação de estar só, de ver o mundo de fora, distanciado das relações familiares, do que já foi rotina, dos rituais coletivos. Diego faz 2 poemas sujos pelo deslocamento, pelo não pertencimento a comemorações e alegrias, sujos com o humor triste de quem troca de ano como quem troca de calçada, como ele diz em 25 Rua do Templo.

Os dois poemas conseguem passar essa estranha sensação de quem foi atrás do sonho e percebeu, nas lembranças, nas memórias, que deixou realidades pra trás. São versos cheios de sorrisos tímidos e lágrimas contidas, porque o olhar de poeta do Diego faz leituras inusitadas do seu cotidiano parisiense, das dores e das alegrias de quem está vivendo a vida de estrangeiro, de quem para na rua deserta e sombria/companheira desta hora que não escolhi/rua deserta não muito distante/dos grandes bulevares abarrotados de alegria espumante/flashes ao vivo para o mundo todo/e meia dúzia de carteiras roubadas/rua deserta no coração da cidade/que um dia chamaram/talvez sem previsão de ironia/Cidade Luz.

E isso é só um tantinho dessa mistura de amargura e sorriso, de matemática com poesia (A palavra Paris tem cinco letras/e dois milhões duzentos e quinze mil habitantes, assim começa Palavra Paris), essa mistura de solidões e olhares que o Diego nos oferece neste volume de Contém 1 drama.

Há muito mais nesses versos.

Tem ritmo, tem imagens, tem inusitadas comparações e tem a beleza que fica, ao final da leitura de Palavra Paris, a beleza de quem viveu a solidão, viveu a distância, viveu o estrangeirismo e, mesmo assim, na hora de se despedir dos vinte e dois metros quadrados dessa palavra Paris que durou dois anos na sua vida, nessa hora, nos deixa perceber saudade e vontade de ficar. Um sentimento difuso que talvez seja de todos nós numa hora dessas. Mas que só um poetaço como o Diego consegue dizer.

Contém 1 drama contém grande poesia, contém pulsação, contém a minha recomendação para o Suposto Leitor.

E talvez não contenha uma lágrima ou duas de quem ler.