terça-feira, 31 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 5 - FIM

Tá bem, coloquei aqui ontem o texto sobre o que fica da Flip, falando da gurizada lá de Parati.

Mas e a FLIP pra maiores, me perguntaria o Suposto Leitor?
Bom, foi isso aqui que eu disse:

Pois é, Suposto. Do que eu já via das Festa Literárias aqui em Parati, parece que essa edição pode vir a ser um ponto de reflexão, especialmente sobre programação. Lembro de sair da FLIP de 2007, com Amoz Oz, Coetzee, Nadine Gordimer, Mia Couto, falando de que tinha sido a FLIP das estrelas, ou a FLIP megaprodução. Ano passado, depois da programação com Sophie Calle e o ex-marido Grégoire Bouillier, Tezza e Bellatin e suas ficções biográficas, Catherine Millet e outros autores mais ou menos biográficos, a sensação era de que o evento tinha decidido mostrar essa discussão da fronteira entre o real e a ficção, essa linha tênue entre autor e narrador que tem marcado tantas obras contemporâneas.

E a de 2010?

Ainda não consegui ver uma cara nela. Parecia querer ser diferente, talvez ousada, chamando grandes atrações como Crumb e Lou Reed, em vez de prêmios Nobel. Homenageando Gilberto Freire, em vez João Cabral de Melo Neto. Pois é, mas acho que, se isso é ser ousada, prefiro outras ousadias que já vi em FLIPs, que são ousadas, mas são muito literárias. Ousadia de ser grande, como colocar o Paul Auster e o Chico Buarque juntos, sem ter medo de provocar o maior engarrafamento da história do mundo. Ou de trazer todas as estrelas da edição de 2007. Ou ainda ousar trazer gente realmente talentosa, mas longe, longe do estrelato literário. Digo assim: nesse ano de 2010 teve uma mesa que é tradicional, que é na quinta-feira, nos primeiros horários e reúne brasileiros contemporâneos. Teve coisa parecida em 2006, 2007 e acho que em outras edições também. Mas a diferença é que em 2010 não se arriscou trazer gente nova, nova, nova pra mesa. Ronaldo Correia de Brito ganhou o prêmio SP do ano passado, Beatriz Bracher já beliscou as principais premiações e Reinaldo Moraes foi um fenômeno literário nos anos 80. Tudo bem que talvez não sejam conhecidos do grande público ainda, mas já estão um passo adiante da turma que vi em 2006: André Laurentino lançando seu primeiro livro, Maria Valéria Rezende lançando o terceiro (ou segundo?), André Santanna lançando O paraíso é bem bacana, o próprio Reinaldo Moraes antes do Pornopopéia, assim, gente que eu não tinha ouvido, ou mal tinha ouvido falar. Autores como o Laurentino e a Maria Valéria, que descobri, corri pra comprar o livro, li e passei a dar de presente. Acho escolhas, garimpadas como essas, ou como trazer o Ondjaki quatro anos atrás, tão ou mais ousadas do que trazer Lou Reed.

Outra coisa que senti falta, foi da polifonia da Festa. Essa FLIP estava mais pra conto ou novela, com poucas vozes, do que pra um romance polifônico, digamos assim. Explico: dois idiomas foram privilegiados nesta edição: português e inglês. Houve também o espanhol de Wendy Guerra e Isabel Allende e talvez alguém possa querer forçar a barra e falar da iraniana Azar Nafisi e do israelense A.B. Yehoshua, mas eles vivem há anos nos EUA e acho que escrevem em inglês. Não teve argentinos, mexicanos, africanos - de língua portuguesa ou não -, chineses, franceses, italianos, alemães, tantas vozes por aí, acho que a Festa Literária foi menos internacional esse ano em Parati. Ou que o nosso narrador foi um tanto repetitivo.

Mas antes que achem que a cara dessa FLIP seja a minha amarrada, calma lá, moçada. É a FLIP.

E teve coisas boas, ótimas descobertas pra mim. Livros pra trazer pra casa.

William Boyd, por exemplo, o escocês que dividiu mesa com Pauline Melville, está na mala. Poderia estar trazendo o romance do qual ele leu um trecho, Tempestades comuns, ótimo trecho por sinal, uma cena angustiante a beira do Tamisa, muito bem narrada, mas o que está vindo é o volume de contos Fascinação. Porque o Boyd mostrou na mesa ser um pensador da literatura - ele é crítico e roteirista também - e lá pelas tantas lascou que tinha criado uma espécie de teoria do conto, dividindo o gênero em sete modelos (que podem se inter-relacionar). Falou brevemente sobre estes modelos, que podem ser conhecidos no site do autor, e me deixou curioso sobre como funciona na prática toda esta teoria. Ontem, na livraria da FLIP, folheei Fascinação e fui pro caixa. Parece ter coisa boa ali. Depois de ler, conto.

Houve a já citada mesa dos brasileiros. Boa discussão sobre literatura. Embora a mediadora tenha definido que ali estavam três estilos de romance, o do sertão (Ronaldo Correia de Brito), o intimista (Beatriz Bracher) e o urbano (Reinaldo Moraes), vi mais do que isso. Vi três jeitos de pensar o texto. O Ronaldo, nas suas falas, trouxe uma coisa paradoxal, uma racionalidade-apaixonada, um cara com quem dá vontade de conversar sobre o escrever, ele parece ter muito a dizer e a refletir, mais do que foi exigido dele na mesa. O Reinaldo talvez seja o extremo, embora tenha falado de forma e coisa e tal, pela leitura dele, pelo que já li dele, e pela fala dele, parece ser o típico contador de histórias. Desbocado? Universo junkie? Coloquial? Underground? Sim, tudo isso, mas daqueles que acreditam em primeiro contar e contar e contar a história pra ver onde vai dar. E a Beatriz Bracher, não sei se misturei o fato de estar lendo o segundo livro dela e observando profundas diferenças entre um livro e outro, mas talvez tenha somado isso à participação dela, e assim vejo uma investigadora, não a escritora do intimismo apontada pela mediadora, mas alguém investigando estilos, formas e histórias. Pois esses três soltos e com perguntas simples, mas sobre as suas obras, fizeram uma das mesas mais consistentes que vi, daquelas em que mais que conhecer os autores, vamos conhecendo também um pouco mais do que a gente pensa sobre a escrita e a leitura.

Também vale exaltar a mediação do João Paulo Cuenca, na mesa que reuniu Carola Saavedra e Wendy Guerra. Cuenca talvez devesse servir de exemplo pra outros mediadores da Festa. Foi na veia da obra das autoras, tinha os romances no colo, leu trechos sublinhados, fez intersecções inteligentes entre obras que aparentemente não se relacionavam e não caiu em clichês fáceis, como querer discutir a literatura feminina, só porque havia duas mulheres no palco. Ao contrário disso, propôs discussões sobre escolhas narrativas, sobre os significantes vários que encontrou em Paisagem com dromedário e Nunca fui primeira dama. Acredito que quem já tivesse lido os livros deva ter recebido boas chaves de leitura dessa discussão. Daí, não sei se é porque era domingo e já ia começar o Faustão, ou se porque o Cuenca resolveu falar de literatura e de literatura e não se permitiu discutir amenidades (nem quando a Wendy Guerra deu uma baita brecha comentando ter sido desde criança a Xuxa da TV cubana), não sei por qual motivo, muita gente saiu antes do fim da mesa. Talvez fosse dor nas costas, quatro dias sentado, vendo mesas, dói no ciático.

E, claro, houve a dupla participação do Robert Darnton, casada com o estande da Companhia Suzano de Celulose. Cometi a ingenuidade de vir assistir a essas mesas em busca de respostas, mas é óbvio que estou voltando com muito mais perguntas. Claro que dá esperança no futuro do livro de papel - sim, quero que ele continue - ver o Darnton falando da busca da coexistência do analógico e do digital. Ele comentou, inclusive, estar escrevendo um livro para se publicado nos dois modelos, com especificidades para a leitura linear (no papel) e outras para a leitura não linear (digital). Outro foco de esperança foi ter visto que o mesmo homem, o Makinson, editor da Penguin, na mesa com o Darnton falava em estar se preparando para um futuro digital, em livros com recursos de vídeo (queria falar mais sobre isso outra hora), mas esse mesmo sujeito e sua empresa estavam, com grande estardalhaço, lançando a parceria com a Cia das Letras para vender o quê? O quê? Livros, sim, senhor. E a Penguin não só está lançando operações no Brasil, como na China, na Coreia, na India e em outros mercados onde a alfabetização e o desenvolvimento ainda podem criar muitos leitores. É claro que se pode pensar que essa expansão tem o objetivo de compensar uma possível perda de mercado nos EUA pra plataformas digitais (embora tenha se falado em crescimento da venda de livros neste ano). Mas eu também tendo a pensar no seguinte: se o futuro é tão inevitável e iminentemente digital, estaria a Penguin fazendo toda essa expansão com livros de papel para lucrar com os últimos anos de um mercado agonizante? Resolveram gastar dinheiro? Ou ainda enxergam boas perspectivas para as vendas de livros? Tô falando: voltei com bem mais perguntas.

Ainda sobre a questão dos livros, acho que a organização das mesas refletiu um pouco do mercado editorial: esqueceram do autor. Nessas discussõe sobre direitos autorais, mercados, futuros e incertezas, além de editores, pensadores, diretores de biblioteca, não seria uma boa ter colocado um escritor de literatura? Pra gente voltar com ainda mais perguntas, questionando também o que esse movimento todo vai fazer com a linguagem? Com o modo como se conta histórias? E se lê? Perguntas, perguntas, perguntas, FLIP, Festa Literária Internacional das Perguntas também.

Quero só ainda comentar que aqui no ônibus, deixando Parati, vejo muitas pessoas lendo livros de autores que estavam no evento, livros de papel, provavelmente comprados durante a festa. A julgar por isso, a FLIP colocou mais uns cinco dias de vida nos cálculos de quem vive profetizando o fim dos livros.

Prós e contras pesados, acho que é isso que chamam de fazer um balanço do evento, não?

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Ah, sim, só mais uma coisinha: profissionais da tradução simultânea: mandem seus currículos para a organização da FLIP. Seria uma excelente surpresa, numa próxima edição, descobrir que essa área foi qualificada. Desde 2006, é a mesma turma, fazendo, às vezes, em vez de tradução, confusão simultânea das mesas.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 4

Pues, coisa louca, Suposto: a FLIP continua aqui. Tem mais dois textos que fiz pro site da revista Aplauso e que quero dividir contigo. São dois balanços do todo da festa e não vou ficar falando mais, porque os textos já dizem o que querem dizer. Aqui vai um e amanhã ponho o outro. E aí a Festa acaba aqui.
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O QUE FICA QUANDO A FLIP SE VAI?
Cabou-se a FLIP.

E acho que um dos papéis mais interessantes dela - e talvez menos falados - continua firme. Falo de uma imagem que vi, lá na quinta-feira, e que se repete ao longo do evento: uma molecada de Parati, pé no chão, bermuda suja da pelada no campinho, pendurada nos alambrados que dão acesso à Tenda dos Autores vendo aquele monte de gente entrar naquele circo que se monta há oito anos na cidade.

Dessa vez, olhei bem pra cara dessa gurizada, pros olhos arregalados, e pensei que essa turma talvez cresça com uma visão diferente da usual sobre o que é ser escritor. Em vez de pensar numa coisa solitária, em vez de ouvir que no Brasil escritor morre de fome, os paratianinhos talvez achem que escritor é superstar, é badalado, é coisa legal. Vem cá, ano a ano eles veem a cidade dobrar de populção, os pais ganharem uma grana a mais por causa dos escritores. Assim como eu, eles observam a geração espontânea de filas pra pegar autógrafos.

Sei que existe uma turma que critica as FLIPs, FLOPs, FLUPs pela espetacularização da literatura e do autor.

Mas vendo os guris de Parati tão curiosos por essa gente dos livros, começo a pensar que isso tem seu lado bom. Durante 5 dias, pra essa galerinha, escritores são tão famosos quanto o Kaká, quanto o último Big Brother, quanto a Ivete Sangalo, quanto o protagonista da novela das oito. Ei, as crianças de Parati talvez queiram agora ser jogador de futebol, modelo, astronauta, ator e, quem sabe, dois ou três, escritores. Por que não? Lembro que ano passado fui dar uma palestra pra uma turminha de um colégio público de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, e que a professora que me recebeu me falou que eu não tinha ideia da magia e da importância que tinha pra piazada eventos como aqueles, que isso sempre colocava um pouco mais o livro e o escritor na cabeça deles. Era uma feira do livro pequena, de bairro, agora imagina um troço como o que rola em Parati.

Isso somado com uma das partes mais bonitas da FLIP, que é a Flipinha, cara, é muito positivo. A Flipinha, pra quem não sabe, é uma baita programação infantil que rola no período da festa. Segundo me disseram, mais de 90% das escolas públicas de Parati participam das atividades. E ainda tem a decoração da Praça da Matriz, que além de reproduzir personagens literários em papel machê pra divertir a molecada, tem uma das minhas coisas preferidas na cidade: as árvores de livros. Muitas árvores com livros pendendo dos galhos. E a criançada vai lá, senta e lê mesmo. E, se não sabe ler, tem uma turma de instrutores que vem dar uma forcinha. Ah, e nesse ano ainda botaram uma bibliotequinha no meio da praça, aumentando a oferta de títulos pros pequenos. Torço pra que, nos doze meses que separam uma edição da FLIP da outra, esse trabalho de aproximação da criançada com livros tenha algum tipo de continuidade. Porque volto com uma impressão reafirmada: de que a cada edição podemos ter mais moleques sonhando ser Ronaldo. Mas Correia de Brito.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 3

Vamos lá, antes que esses textos não te interessem mais, Suposto Leitor.
Aqui vai a 3ª coluna que publiquei sobre a FLIP 2010 no site da revista Aplauso.

NEM FESTA, NEM LITERÁRIA

É recorrente a FLIP organizar mesas com gente oriunda de lugares conflituosos ou envolto em polêmicas (Amoz Oz, de Israel junto com Nadine Gordimer, da África do Sul; o palestino Mourid Barghout; a mesa com autores chineses no ano passado).

Nesse ano, os nomes da vez eram o israelense, A.B. Yehoshua, escritor radicado há tempos nos Estados Unidos e a escritora iraniana, também professora, também radicada nos Estados Unidos, Azar Nafisi.

Muito pode-se falar dessa mesa em si e dessa mesa como conceito. Como conceito, o que acontece é que, apesar dessa bonita democracia, judeus e muçulmanos reunidos pelo poder da literatura na mágica Parati, a gente pode pensar que a coisa não é tão democrática assim não. Como diria o professor, Senão vejamos: o autor israelense, apesar de judeu e israelense, não vem defender a expulsão dos palestinos de Jerusalém, pode até ter combatido em Golan, pode até defender que os judeus devam morar em Jerusálem - como faz Yehoshua -, mas no final das contas acredita na negociação, prega a paz, etecétera, etecétera e etecétara. Da mesma forma, o lado árabe da coisa, não vem dizer Nós chegamos antes de vocês, não vem defender a Al Qeada, não vem defender belicosamente a questão palestina ou afegã.

O que quero dizer é que simbolicamente a coisa pode até funcionar. Mas como debate, como provocação intelectual, como revisão de argumentos e conceitos, como choque de verdades pré-prontas, não vejo grandes méritos. Nem sei se é o papel da FLIP fazer isso, gerar tensão e polêmica. Mas que não gera, não gera. Porque apesar das certidões de nascimento, o que temos, via de regra, são duas pessoas muito talentosas, muito inteligentes, muito perspicazes, defendo o que todo mundo, aqui em Parati, quer que se defenda: a Paz, o fim dos regimes totalitários e teocráticos, coisa&tal.

Como espetáculo, bárbaro. As tiazinhas cariocas, os estudandes "meio-intelectuais, meio de esquerda"*, os desavisados, aplaudem, assobiam, dão risadas das boas frases, dos olhares profundos, das grandes tiradas sobre a questão judaico-palestina e seus assuntos periféricos. Mas no frigir dos ovos (nunca entendi essa expressão), mas no frigir dos ovos tá todo mundo batendo em bêbado. Ou em nada. Dificilmente surge ou surgirá o contra-ponto, a resposta que ninguém quer ouvir. Talvez a única excessão nesse ano tenha sido quando Azar Nafisi fazia mais alguma afirmação contra Mahmoud Ahmadinejad e, lá pelas tantas, Yehoshua, contestou a iraninana lembrando ela de que também não podemos ficar só apedrejando o governo e absolvendo a população como se fossem todos manipulados. Lembrou, o israelense, que há muitas pessoas inteligentes, articuladas, que compram os regimes totalitários, as soluções bélicas, as ortodoxias. Há gente com um bom aparato intelectual defendendo as ideias que nós não defendemos foi o que me pareceu que ele quis dizer. Interessante, um momento de reflexão e não de puro aplauso histérico e concordativo.

Mas, pois bem, dito tudo isso, ainda fica uma questãozinha sobre essa mesa do Oriente Médio, tanto no seu nível conceitual, quanto no nível específico: e a literatura?

Não estamos na Festa LITERÁRIA Internacional de Parati?

Pues, pra mim, que venho ver debates literários, discussões sobre forma, estilo, técnicas, conjunto da obra, me parece que a literatura fica na periferia nessa hora. Todo mundo entra contaminado pelo acordo de paz, pela burka, pelos conflitos, pela solução negociada. Do mediador aos convidados, passando pelo público e por suas perguntas, o foco da mesa vai longe, longe, da obra dos autores, por exemplo. Como diria o profeta, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que se fazer uma pergunta sobre um trecho dos autores nessa mesa.

Que eu tenha registrado, houve uma fala do Yehoshua em que ele refletiu sobre literatura no geral, sua importância pedagógica, de fazer refletir, gerar pensamento. Crê ele que isso não acontece mais hoje, que o pós-modernismo não nos faz tocar os grandes valores da humanidade, tampouco os grandes dramas. Segundo ele, os grandes escritores do século 20, estão cronologicamente localizados na primeira metade do período. Depois disso, "psicologia" e "relativização" tomaram conta das páginas e foi pro saco a especulação do humano, o assombro, o espanto e a descoberta de nós mesmos e do outro através dos livros que lemos. Será?

Não sei.

Porque isso ficou perdido entre uma pergunta sobre o apedrejamento da Sakineh Mohammadi no Irã e outra sobre a proibição do uso da burka na França. Sim, aconteceu ainda algum momentito em que Nafisi exaltou o poder da literatura, falando relativamente ao seu livro Lendo Lolita em Teerã, obra que revive os grupos de leitura de meninas iranianas que secretamente descobriam obras como a de Nabokv em Teerã nos anos 80.

Mas, no todo, assim como nas outras mesas com escritores-de-países-em-pauta que já assisti, a literatura cede espaço para o tema polêmico do momento que envolva as origens dos escritores convidados. Então, o mais que tivemos foram defesas da democracia, frases fortes contra Ahmadinejad, ironia e argumentos muitos contra o apedrejamento de mulheres no Irã, acabou sobrando muito pro Lula, seu companheirismo e em-cima-do-murismo em relação ao Irã, e aplausos, aprovações e muito entusiasmo de todos na platéia. E ficamos por aí.

Tá, não se falou quase de literatura. Mas acho que também vale pensar no seguinte: há uma questão literária (ou periférico-literária) aí envolvida que não tinha me ocorrido ainda: a posição do escritor como intelectual a ser ouvido, como pensador do mundo e dos nossos tempos, como voz relevante. Talvez esse lado da atividade literária saia fortalecido de uma hora e meia como essa. Diz-se muito que os escritores perdem cada vez mais essa relevância pra sociedade, esse papel de fonte de consulta sobre as verdades e polêmicas. Bem, numa mesa como essa, o que importa, mais do que o livros, são as posições e as ideias dos autores.

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Não dá pra deixar de falar da nova tradição da FLIP: a mesa dos quadrinhos. Depois do Neil Gaiman, do Grampá + Rafael Coutinho + Fabio Moon&Gabriel Bá, ontem foi a vez do Robert Crumb e do Gilbert Shelton.

Mais uma mesa não literária.
E antes que me ataquem, calma: não estou tentando negar o caráter literário que vem se atribuindo aos quadrinhos nos últimos tempos. Calma, sequer tenho condições de fazer isso, não sou conhecedor do asunto, não posso me meter a falar disso.

É que a mesa não foi lietrária, não foi sobre quadrinhos, não foi é nada. Pelo menos pra mim que não estava lá tietando o Crumb e o Shelton. E, em minha defesa, digo: ano passado uma das minhas mesas preferidas foi a dos quadrinhos. Os caras leram trechos, mostraram no telão, discutiram suas obras e a dos outros, se divertiram.

Nesse ano, rapaz, nada.

Acho que muito por conta da escolha equivocada do mediador: Sérgio Dávila. Credenciais do homem para estar lá: editor da Folha, correspondente internacional, único brasileiro a cobrir a guerra do Iraque de Bagdá, prêmio Esso... tá, e uma carteirinha do fã-clube do Crumb? Editou um fanzine na adolecência? Hein?

Sem-gracisse total: deixou o Crumb fazer o que ele queria - não fazer nada -, fez perguntas de release (gosta da mulheres brasileiras? Verdade que você veio porque sua mulher obrigou?), deixou a esposa do Crumb - quando ela foi convidada a subir ao palco - tomar conta da mesa e quase ignorou o Gilbert Shelton que parecia disposto a falar, contar histórias.

Era uma mesa que envolvia muitas expectativas. Poderia ser polêmica, esquisita, divertida e não foi sequer o básico: informativa. Ano passado, saí da mesa do Grampá e do Coutinho com a minha ignorância sobre quadrinhos um pouco diminuída. Neste ano, nem perto disso.

As palmas dessa mesa ficam pro depois dela: voltando da janta, com a minha namorada, passamos pela tenda de autógrafos. Quase meia-noite. O Gilbert Shelton, velhinho de barba e cabelo branco, dublê de Papai Noel, ainda estava lá três horas depois, com a esposa e agente literária de um lado, copo de cerveja do outro, autografando livros pra quem quisesse, com direito a um desenho feito na hora. Gente boa.

*quem inventou essa expressão foi o Antonio Prata.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 2

Me atrapalhei um pouco lá por Parati, depois as férias seguiram e, pois é, e todos aqueles textos que eu prometi colocar aqui, onde foram parar? Calma, já estão devidamente publicados lá no site da revista Aplauso e agora, aos poucos vou trazendo praqui. Resquícios da FLIP. Bueno, já demorei demais, então chega de conversa e vamos a minha segunda coluna sobre a Festa Literária Internacional de Parati.

A QUESTÃO DO PAPEL DOS LIVROS

Uma das coisas que eu estava mais curioso pra ver aqui em Parati era a tal discussão sobre o futuro do livro, esse lugar comum que tem perseguido a literatura nos últimos tempos mais do que o bucólico cheiro de terra molhada. Estava curioso pelo tema em si, mas também por essa situação que lembra um pouco a lógica da vacina: injetar o veneno, o vírus, no organismo pra criar anticorpos e defesas contra a doença. Digo assim: trouxeram pra uma festa literária, de celebração dos livros, de filas de autógrafos, duas mesas pra discutir se um dos motores dessa coisa toda não tá pifando. Sim, falo das duas mesas que envolveram o historiador e diretor da biblioteca de Harvard, Robert Darnton - uma com o diretor da Penguin, John Makinson e a outra com o historiador da cultura, Peter Burke.

Mas aí, rapaz, chego em Parati e, caminhando com minha namorada pelas ruazitas do centro histórico, descubro algo tão significante pra esse assunto das duas mesas. Algo tão eloqüente quanto as declarações do Darnton sobre os riscos de se entregar ao Google e a empresas privadas o monópolio da informação e do conhecimento; tão assustador quanto o John Makinson falando da Amazon apagar livros do Kindle alheio; ou o Peter Burk questionando sobre a perda da capacidade de ler devagar.

O que é que pode ser tão simbólico?
Uma fogueira de livros?
Uma distribuição de e-readers?
Dezessete andróides do Paulo Coelho, reproduzindo e-books do mago 24 horas por dia?

Não.

Um estande da companhia Suzano de Celulose.

Presta atenção: junto da livraria da FLIP, perto de onde os autores autografam, tem uns espaços alugados por empresas pra se divulgar. E um deles foi alugado justamente pela Suzano. Todo, todo decorado com os motivos do "papel polen bold" (aquele amarelinho dos livros), exaltando suas qualidades pra leitura, cansa menos os olhos, permite ler mais livros e assim obter mais conhecimento e, logo, fazer um mundo melhor. Sim, esse discurso está no folder que se encontra no espaço. Estão fazendo um belo investimento pra me convencer de que é bom ler no papel. É mais ou menos como fazer uma campanha pra dizer que água é bom pra tomar banho.

Cara, a turma do papel está assustada mesmo.
Vieram se defender.
Chega a ser esquisito.

Deixa eu contar mais um pouco: o estande é meio lounge, tem pufes, luminárias e livros pra quem quiser sentar ali e ler em um bom polen bold. E mais: em um espaço especial, uma moça lê initerruptamente, livros inteiros. Na sexta, por exemplo, leu todo o Luka e o fogo da vida, do Salman Rushdie. Leu sem parar durante quase cinco horas, e quem quisesse podia colocar fones de ouvido e acompanhar a leitura dela.

Um tanto bizarro, um tanto surreal, mas também muito parecido com as mesas sobre a questão dos livros: escancara o tema do momento e bota pra pensar, pra perguntar. Por exemplo: não vi até agora ninguém lendo um Kindle ou um Ipad por aqui. Na verdade, vi muito poucas pessoas lendo aqui em Parati. Mas no estande da Suzano sempre tem um sujeito ou outro agarrado num livro. Outra coisa é essa mulher que hoje vai ler um livro infantil e depois uma das tantas obras que tem lá na biblioteca que a Suzano oferece: além de estar comprovando o que o pessoal da fabricante de celulose quer comprovar - que o papel não cansa os olhos como uma tela -, ela está também nos lembrando do seguinte: meu chapa, livro não fica sem bateria nunca, pode ficar chato, lento, enrolado, mas não vai nunca apagar no meio da leitura.

E isso significa o quê?

Tudo e nada. Assim como as mesas sobre a questão dos livros aqui da FLIP, o estande da Suzano, ao mesmo tempo, reforça o pavor e o medo de que o livro impresso esteja mesmo sumindo, e a esperança de que sempre vai ter um canto pra gente ler em bom e amarelo polen bold.

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Só pra não perder o hábito de fazer comentários rápidos:

1 - Não lotou a mesa sobre o futuro dos livros na sexta de manhã. Apesar de tudo o que eu escrevi aqui em cima, na verdade, ninguém está tão interessado nesse assunto assim?
2 - Pauline Melville e William Boyd fizeram mais uma boa mesa com bastante espaço para a literatura e reafirmaram uma tradição que a FLIP tem pra mim: a de me fazer voltar pra Porto Alegre com uma lista de autores para ler.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

POR CAUSA DA FLIP 1

Pois Suposto, querido, voltei.
E tanto tempo sem aparecer aqui vai ser compensado com uma enxurrada.
É que ando por Parati, na FLIP, e combinei de mandar pra revista Aplauso alguns textos sobre o que vejo por aqui. Entonces, dá pra ler lá na Aplauso, ou aqui embaixo mesmo. Aparece aí, Suposto, porque eu vou vir aqui todos os dias.

Ah, e o primeiro texto tá aqui embaixo:

O SISTEMA DE TELETRANSPORTE DA FLIP

Dá pra falar muita coisa de um primeiro dia de FLIP. Dia em que assisti quatro mesas, cruzei com o Moacyr Scliar, André Laurentino, Cardoso, mas tem uma coisa que não me sai da cabeça, que me põe confuso já há um tempo, desde a primeira vez em que vim pra Festa, em 2006. Falo do misterioso sistema de teletransporte daqui de Parati.

Calma, posso explicar.

Ainda não entendi como é que se faz pra ter acesso a esse serviço, nem ninguém me confirmou que ele exista. Mas só pode existir. Vou dar um exemplo que com exemplo a gente entende melhor.

Seguinte, depois de cada mesa da FLIP, os autores têm uma sessão de autógrafos, sentam-se atrás de uma mesa, caneteiam e são fotografados pelos fãs. Pois, depois da mesa da Isabel Allende, não foi diferente: após uma hora e tanto de causos, Antonios Bandeiras, Allendes, plásticas e outros assuntos, a Isabel disse Gracias pra plateia, o pessoal aplaudiu, eu levantei e comecei a sair. E no que saí da tenda, me deparei com uma fila de mais ou menos cem, cento e cinquenta pessoas já esperando pelo autógrafo. Repito: a mesa encerrou, eu levantei e já tinha umas 200 pessoas - no tempo de uma frase, a fila cresce muito por aqui. Nem cinco minutos.

Tchê, aí é que me pergunto: como, de onde, quando essa pessoas todas surgiram? Surgem?

Porque esse fenômeno da geração expontânea de fila não é exclusividade da escritora chilena não. Já vi o mesmo e até mais acontecer pro Chico Buarque, Lobo Antunes, Coetzee, Amóz Oz, Ferreira Gullar e outros. É um troço que acontece num já, que, juro, se o Usain Bolt disparasse no momento do agradecimento, ele ia pegar o trigésimo, o quadragésimo lugar da fila.

E aí fico pensando: como é que faz pra ser o primeirão?

Era do que eu vinha falando, esse sistema de teletransporte da FLIP. Ainda não sei se são só os VIPs que têm. Ou se são cobaias humanas de um projeto científico. Ou as duas coisas. Mas dou por certo que uma turma recebe ingressos com um moderníssimo chip teletransportador que ao menor ruído de Gracias ou Thanks, teletransporta o sujeito pra fila de autógrafos. Assim, vup, imediato, de um lugar ao outro sem perder um segundo.

Só pode ser assim.

Porque se não for, seria uma sacanagem com os grandes fãs da Isabel Allende, do Chico, do Paul Auster. Seria sim, já que sem o teletransporte, só teria um jeito de estar lá no primeiro lugar da fila: sair antes da mesa acabar. Pô, e é tão difícil conseguir ingresso pra FLIP (nesse ano, acabaram em duas horas), está cada vez mais caro, seria até triste essa turma ter que levantar antes, perder o que seus autores favoritos têm a dizer, pra ter que correr pra pegar um autógrafo. Não é?

Que bom que tem o teletransporte, então.

P.S: As fotos mostram um pouco da fila de autógrafos da Isabel Allende. Todas essas pessoas já estavam na fila, quando eu saí da mesa.

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A comentar:
1 - Acho que a grande mesa do primeiro dia foi Fábulas Contemporâneas, que reuniu os brasileiros Ronaldo Correia de Brito, Beatriz Bracher e Reinaldo Moraes. Bate-papo solto, mas falando de literatura, discutindo processos, formas e estilos de cada um. Coisa boa de ver ouvir. Pena que tenha sido também a mesa com menos público das quatro que assisti.

2 - Humberto Werneck é o melhor mediador que já vi em FLIPs. Ele mediou uma mesa histórica do Lobo Antunes no ano passado e neste ano comadou a participação da Isabel Allende. Grande. E detalhe: mediadores podem ser a diferença entre assistir declarações no melhor estilo Caras - acontece muito por aqui - ou ver escritores discutindo literatura pra valer.